domingo, 10 de abril de 2011

(Ma) Preconceito ou precaução?


Prof. Chafic Jbeili

O texto da semana passada (21/03/2011), intitulado "Natureza ruim de mira" chocou alguns de meus assíduos leitores e gerou polêmica entre colegas educadores no debate dicotômico sobre segurança, daí a pergunta: onde termina a precaução e começa o preconceito?
Quem tem mais de 40 anos certamente viveu sua infância, assim como eu vivi, em uma casa com muro baixo, janelas sem grade e portão encostado para o cachorro não sair. Os prédios de apartamentos não tinham guarita, nem porteiro 24horas. Tanto em casa quanto em condomínios era possível dormir com tranquilidade suficiente para uma deliciosa e revigorante noite de sono.
Quem tem menos de 30 anos de idade faz parte da geração "tetra-chave", aquelas pessoas que foram criadas em casa ou apartamento de alta segurança com muros altos, cerca elétrica, cadeados e trancas em portas e janelas. Portanto, já nasceram e se acostumaram a morar em bairros, casas e apartamentos equipados com vários sistemas eletrônicos de “segurança”, fabricados por japoneses ou chineses, diga-se de passagem, tendo com isso acostumado com o clima de violência e, portanto, considera muito comum e normal toda essa parafernália de precaução, mantendo discurso hipócrita em tom de compaixão pela pessoa de índole criminosa.
Quem tem dó de bandido de alta periculosidade não deveria usar, por exemplo, cerca elétrica em sua residência, ou será que tal compaixão é meramente geográfica limitando-se ao espaço carcerário. Será que tal compaixão termina no portão da casa de quem se compadece dos hediondos? A hipocrisia inconsciente é tão ou mais repugnante do que o preconceito compulsivo, alicerçado nas infelizes experiências da vítima com seus algozes de índole criminosa, aqueles irrecuperáveis pela medicina ou psicologia.
Quem realmente se importa com a situação dos encarcerados no Brasil se inscreve como voluntário no Ministério da Justiça ou em alguma ONG e faz alguma coisa de útil para ressocializar detentos ao invés de apenas reforçar a segurança de suas moradias e reclamar da falta de “segurança” nas ruas. Estou bastante ocupado e focado em pessoas que realmente querem crescer pessoal e profissionalmente. Lamento muito, mas não perco sono nem tempo com quem não se importa consigo mesmo e aproveita o indulto de Páscoa ou de Natal para ampliar seu currículo criminal.
Seria muita pré-potência alguém acreditar que suas técnicas, sejam da psiquiatria, da psicologia, da psicanálise ou da pedagogia, entre outras, são capazes de reverter aquilo que é naturalmente irreversível. Se assim fosse possível, o número de detentos estaria diminuindo e não crescendo.  Ou você acha que médicos, psicólogos e demais profissionais envolvidos na reabilitação de presos são tão incompetentes assim? A resposta de recuperação de presos é  mínima e totalmente desproporcional ao esforço conjunto dos profissionais envolvidos nesta "missão impossível". Talvez no futuro seja possível “trocar o chip” dos homicidas e reprogramar um indivíduo com mente e alma criminosa para ser inclusive babá, mas na atualidade não.
De acordo com Natália Macedo, pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Cultura – IPC a população carcerária no Brasil quadriplicou nos últimos 20 anos. Apesar de o Brasil ocupar o  4º lugar mundial em população carcerária, precedido apenas dos Estados Unidos (1º), China (2º) e Rússia (3º) . Contudo, a pátria amada está em primeiríssimo lugar no índice de crescimento de detentos com elevação na ordem 450% nesse mesmo período, ficando à frente dos EUA (77%), china (31%) e Rússia (17%)., respectivamente. Atualmente, essas quatro nações detêm 52% da população carcerária mundial.
Outro dado curioso é que enquanto a população carcerária em países de primeiro mundo envelhecem,  significando que há menos jovens entrando para o mundo do crime, no Brasil esta população está cada vez mais jovem tendo a maioria de seus detentos na faixa etária de 18 a 24 anos de idade, ou seja, no Brasil cada vez mais jovens entram para o mundo do crime, fruto da desestrutura familiar, da ação ineficiente do Estado, da eminente falência da Educação Pública e potencializado pela "tolerância máxima" de alguns poucos discursos utópicos na defesa incondicional de jovens delinquentes.
Se você é ou conhece algum profissional que tenha alguma técnica comprovadamente eficaz na reversão da mente criminosa, por favor me avise, pois tenho alguns contatos que pode  eventualmente indicá-lo(a) para apresentar sua técnica ao Ministro da Justiça e iniciar logo este trabalho em presídios de segurança máxima. Apenas 18% da população carcerária no Brasil está estudando e desses que estudam uma quantidade irrisória abandonam o mundo do crime. A proporção é de um preso recuperado para cada 10mil aproximadamente. Uma das melhores referências no Brasil em reabilitação de detentos está na Cadeia Pública de Anita Garibaldi(RS) tendo conseguido diminuir o índice de reicindência de 80% para 40% dos presos que estudam e atenuado as brigas internas. Mesmo assim, o número de presos não pára de crescer.
Se este aumento da população carcerária continuar no mesmo ritmo, em aproximadamente vinte a trinta anos a população carcerária no Brasil será de aproximadamente 80% de sua população civil. Isso quer dizer que nossos filhos ou netos terão que se esforçar bastante para permanecer dentro dos 20% “ficha limpa”, parcela trabalhadora e honrada da população que irá arcar com as contas do sistema prisional brasileiro, hoje extremamente oneroso e incapaz de gerir seus detentos quanto mais ressocializá-los como exigem os Direitos Humanos e como convém à sociedade que clama por segurança, pois somente uma quantidade ínfima que está longe de 1% da população carcerária responde adequadamente a esta "oportunidade" que a legislação prevê.
As causas desse crescimento da população prisional no Brasil são várias: Desde discursos hipócritas de alguns poucos e medíocres utópicos pré-potentes que cinicamente defendem hediondos como se fossem meros excluídos vítimas do sistema, porém, esses mesmos hipócritas ficam, no dia a dia, trancafiados em suas casas e escritórios com o coração na mão. Outra causa está associada  a morosidade do sistema judicial no julgamento dos processos que empresta sem querer sensação de impunidade aos criminosos. Há também os incentivos à vida criminosa oferecidos pelo Estado em forma de inúmeros benefícios previstos em Lei, tais como redução de pena por “bom comportamento”, auxílio-reclusão com proventos mensais de R$798,30 para a família de detentos, e até direito a “aposentadoria” por idade, entre outras inúmeras vantagens. A mensagem subliminar é que aqui no Brasil, em muitos casos, o crime compensa.
A geração “tetra-chaves” precisa conscientizar-se de que o seu bairro já foi muito mais seguro do que é agora e parar com o vão discurso de que homicidas e estupradores fazem isso porque não tiveram “oportunidades iguais” e que são vítimas do sistema capitalista, portanto merecedores de uma vida digna, apesar da dignidade que eles mesmos tiraram de suas vítimas. Essa política cínica e hipócrita com fins eleitoreiros não tem colaborado para a contenção da criminalidade, muito pelo contrário, tem feito aumentar o número de bandidos emergentes. Ainda bem que no Brasil pena de morte não dá voto, porque se desse haveríamos de conviver com essa medida extrema, desnecessária e ineficaz, mas também não precisava fazer tanta vista grossa e passar a mão na cabeça de hediondos como se fossem pobres coitados, pois a maioria não são pobres muito menos coitados.
Dados da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) registra a previsão de alta de aproximadamente 70% na venda de equipamentos de segurança nos próximos três anos e que a segurança eletrônica movimentará em 2012 cerca de US$ 500 milhões em vendas. Crescer trancafiado desenvolveu nos jovens da geração “tetra-chaves” a fantasia de que a violência é um fenômeno natural passivo de máxima tolerância, compreensão e longanimidade por parte de autoridades e membros da sociedade. Quanto a isso, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz afirma: “Difundiu-se entre nós a idéia de que a violência é um fenômeno quase natural, o que é um erro. Ela é um fenômeno determinado por fatores específicos que podem ser removidos”.
Com o índice de criminalidade crescendo vertiginosamente é natural que a pessoa movida pela necessidade de se resguardar e proteger a sua integridade física e moral, bem como a de seus familiares do ataque de hediondos criminosos procure moradia em bairros menos violentos e condomínios mais “seguros”. Mas preterir um bairro por julgá-lo “perigoso” e preferir outro não seria fazer “acepção” das pessoas que moram naquele lugar? Se em todo lugar tem gente boa e ruim, porque então escolher este ou aquele bairro? Quem disse que a zona sul é mais segura e menos habitada por bandidos do que em periferias? Os dois lugares tem tanta gente honesta quanto bandidos. A diferença está no artigo que cada qual pode ser enquadrado conforme o que pratica. Então escolher este ou aquele bairro seria preconceito ou mera precaução?
Ao eleger um bairro “mais seguro” do que outro; ao optar por residenciais muito bem equipados com cercas, câmeras e afins; ou se ao sair de carro mantém os vidros fechados e portas trancadas não estaria essa mesma pessoa cometendo uma espécie de preconceito com o transeunte que implora trocados no sinal? Julgado-o "bandido"? Ou será que é apenas precaução?
Você, por exemplo, morando em uma periferia ou em um condomínio luxuoso, caso descobrisse que seu vizinho fôra condenado por algum crime hediondo deixaria seu filho(a) continuar brincando com o filho desse vizinho ou freqüentar a sua casa? Seria preconceito ou precaução de sua parte?
Alguma pessoa que usufrua de bom juízo escolheria habitar com sua família, mulher e filhos, ao lado de marginais delinqüentes, homicidas e estupradores? E ao escolher locais distantes dessa população não estaria a pessoa rejeitando-os de alguma forma? Toda rejeição é em si uma espécie de homicídio psicológico.  Você permitiria sua filha ou filho aproximar-se de criminosos e correr o risco  de ingressar no mundo do crime? Isso seria preconceito ou precaução?
Escolher viver próximo daqueles cuja notícia e indícios apontam ser aparentemente mais honestos e honrados é preconceito ou seria precaução? Se for preconceito, então quase a totalidade da população seria  preconceituosa em relação a homicidas e estupradores sim, sejam eles conterrâneos ou estrangeiros. Tais hediondos têm seus direitos assegurados tanto quanto qualquer outro cidadão de bem.
E com qual autoridade e testemunho pessoal alguém poderia julgar e acusar o outro de preconceito por preventivamente não desejar conviver com hediondos condenados pela justiça simplesmente por pensar que isso seria mais prudente e mais seguro? Para você, onde termina a precaução e começa o preconceito?

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